terça-feira, 19 de outubro de 2010

Entrevista de Quaresma ao jornal Público


PÚBLICO - Está em Portugal a recuperar de uma lesão. Vai estar pronto para defrontar o FC Porto na Liga Europa, no dia 21?
QUARESMA - Infelizmente não. O primeiro exame que fiz dava três semanas de paragem e não esclarecia bem que tipo de lesão era. No segundo, que já fiz na clínica do Gaspar [fisioterapeuta da selecção], confirmou-se que era uma rotura e a paragem de quatro a cinco semanas. Mas para o segundo jogo com o FC Porto espero estar em condições.

Já pensou no que irá sentir quando regressar ao Estádio do Dragão, em Novembro?
Vai ser estranho para mim. Como profissional, tenho de passar por cima disso e fazer o meu melhor. Sentimentos, claro que vou sempre ter. Foram quatro anos de felicidade e a ganhar muita coisa. Houve bons e maus momentos, mas os bons é que ficam na memória. Vou ter sempre um carinho pelo FC Porto.

É verdade que renasceu desde que foi jogar para a Turquia?
Isso sem dúvida. Porque no Inter de Milão perdi - ou tiraram-me - a alegria, a felicidade e confiança que tenho em jogar futebol. E, neste momento, o Besiktas deu-me tudo o que eu precisava para jogar.

Porque diz que, no Inter, lhe tiraram a alegria de jogar futebol?
Durante duas épocas passaram-se muitas coisas. Comigo e com várias pessoas do clube. Deixei de ser opção, deixaram de me convocar, puseram-me um pouco à parte.

Mas o treinador era Mourinho... Acha que ele foi injusto consigo?
Não sei! Houve muita coisa estranha que ainda não percebi. É verdade que eu me sentia um jogador à parte. Se no Inter acordava a chorar para ir para os treinos, hoje acordo a sorrir para ir treinar.

Fez 27 anos em Setembro e, para quem acompanha a sua carreira, fica a ideia de que o seu talento não tem sido aproveitado em boa parte. Por culpa própria, injustiças ou um misto das duas?
Um misto. Não vou estar também só a culpar as pessoas, até porque temos de saber lidar com algumas coisas. No Barcelona era jovem de mais e no Inter foi o que se sabe.

Mas não tem gerido mal algumas opções? Saiu do Sporting com 20 anos e escolheu o Barcelona, quando o seu empresário defendia que o Corunha seria a melhor opção para progredir. A verdade é que não se afirmou e teve problemas com Rijkaard...
A vida é um risco. E todos nós temos sonhos que queremos perseguir. E se, nesse sonho, surge o Barcelona e o Corunha, quem não escolheria o Barcelona?

O Barça pagou seis milhões e a cedência de Rochemback no mesmo ano em que o Manchester United pagou 15 milhões para ter o seu amigo Cristiano Ronaldo... Vocês eram duas promessas de valor idêntico, mas a progressão na carreira tem sido bem distinta.
Sim, eu percebo, mas há sortes diferentes. O Manchester é um clube que tem paciência e que sabe trabalhar com os jovens e eu entrei no Barcelona numa fase em que as coisas não estavam a correr bem ao clube. Depois, foi tudo a jogar contra mim, a começar pelo dinheiro que tinham pago. Era muito jovem e não estava preparado.

Hoje seria diferente?
Claro, muito até. Com 27 anos, uma pessoa está mais forte e preparada.

Depois da Catalunha, o Porto funcionou como porto de abrigo? Esteve quatro épocas no Dragão, fez 112 jogos e marcou 32 golos...

Sinceramente, a única coisa que preciso, seja onde for, é sentir-me útil a uma equipa.

Mas, no início, também teve problemas com Co Adriaanse, que o chegou a deixar de fora. Até se disse que só voltou a jogar porque começou a respeitar a obrigação de colaborar defensivamente...

Isso não tem nada a ver. A verdade é que chegou um momento em que as coisas não estavam a correr bem a Adriaanse. E, se formos a ver, eu passei para o "banco", tal como o Pepe passou e o Paulo Assunção. Jogadores que acabaram por vir a dar muito ao clube. A idade e a vida ensinam-nos muita coisa. E, nessa altura, eu já tinha aprendido o suficiente para lidar com a questão. O essencial é que precisava de me sentir útil. Porque não é um treinador que nos vai dar o talento. Ou temos ou não temos. O importante é um treinador saber lidar com os jogadores e acho que os que encontrei nos dois últimos anos não souberam lidar comigo.

Jesualdo Ferreira, que já treinou com jogadores como Zidane, chegou a confidenciar-nos que nunca tinha trabalhado nos treinos com ninguém tão dotado como o Quaresma. Mas acrescentava a dificuldade em retirar-lhe o mesmo rendimento nos jogos. Mesmo assim, dizia que você tinha uma participação em mais de 50 por cento nos golos... Pode explicar isto?
Nunca dei azo a que nenhum treinador me criticasse em termos de aplicação nos treinos. Sempre gostei muito de treino. Gosto de experimentar coisas que possa depois pôr em prática nos jogos.

Jesualdo disse-me que nunca viu ninguém tão forte no treino a um ou dois toques nem a controlar a bola nas situações mais difíceis...
Ele também teve essa conversa comigo. Mas nos treinos há mais espaço e menos pressão.

Mas não é também uma questão de critério, de querer jogar um pouco para as bancadas nos jogos?
Nos jogos é tudo diferente. O ritmo, a intensidade... Por vezes não há opções de passe e é obrigatório improvisar. E, quando assim é, o risco de cometer erros é maior.

Não concorda então quando se diz que é mais disciplinado técnica e tacticamente nos treinos do que nos jogos?
Sinceramente, não. Jogo como treino. Agora, pelas razões que já expliquei, há momentos em que arrisco mais nos jogos do que nos treinos.

Não se arrependeu de ter forçado a saída para Milão, quando o seu empresário estava inclinado em transferi-lo para um Chelsea que acabara de contratar Scolari?
Na altura, não. Porque tinha o desejo de ser treinado pelo melhor do mundo... para muitos. Mas, se me perguntar hoje em dia... a coisa de que mais me arrependi na vida foi de ter ido para o Inter.

Porque nunca caiu nas boas graças de José Mourinho?
Não lhe sei responder a isso. As pessoas só contam o que lhes convém, mas eu vi muita coisa naquele clube e achei muita coisa estranha em relação a mim.

O que aconteceu realmente?
Muita coisa. Quando lá cheguei, percebi que só tinha sido contratado porque o Mourinho me queria. Mais ninguém me queria. E, de repente, deixei de jogar. Sei que houve jogos que não me correram bem. Não posso dizer o contrário. Mas um treinador que me vai buscar, que faz força para me meter no clube e depois não me ajuda na fase em que eu mais precisava de ajuda...

A imprensa italiana não demorou a questionar os 20 milhões, mais a cedência de Pelé, pagos ao FC Porto. Chegaram a atribuir-lhe o "Il Bidone d"Oro", prémio atribuído ao pior negócio do calcio... Foi duro lidar com isso?
Isso até não. A pressão da imprensa a mim nunca me assustou. Porque, se me assustasse, não sei como conseguiria render na Turquia, onde há uma data de jornais desportivos, uma imprensa que nos segue para todo o lado e adeptos que gostam de futebol como nunca vi. Acho que, no futebol, não há nenhum lugar com tanta pressão como na Turquia. Isso a mim nunca me assustou, ao contrário do que quis passar o mister Mourinho, quando veio para a televisão dizer que eu me assustava com os adeptos do Inter. É mentira. Agora, é verdade que passei em Itália uma fase complicada na minha vida. E, se calhar, era aí que eu precisava de ajuda. Não a tive.

Acabou por ser emprestado ao Chelsea, de onde não demorou a sair Scolari. Ou seja, mais uma opção que não lhe correu bem...
[risos] Acho que tive dois anos em que mais valia ter fechado os olhos e só acordar agora. Tudo o que eu fazia corria mal. Até na saída do Scolari tive azar. Um dia antes do fecho das inscrições, o Mourinho ligou para o meu empresário a dizer que já não contava comigo e que eu ia para o Tottenham. Eu disse que não ia. Respeito o Tottenham, é um grande clube e agradeço o interesse, mas respondi que para ali não ia. E, nisto, surgiram o Chelsea e o Scolari. Fui, fiz um jogo e, no dia a seguir, o Scolari foi despedido... A partir daí, acabou o Quaresma outra vez. Foram dois anos terríveis. Mas cresci ainda mais e, por tudo o que passei, hoje já nada no futebol me assusta.

Voltou ao Inter, mas continuou a contribuir pouco para os títulos ganhos... Prosseguiu o calvário?
Acho que até piorou. No primeiro ano ainda tive oportunidades, mas no segundo praticamente não joguei. É verdade que eu não estava numa boa forma. Vi a gravação de jogos em que não acreditava que era eu. E regressar foi o pior erro que cometi na vida. Mas, lá está, queria mostrar o meu valor. E várias pessoas disseram-me para eu voltar porque as coisas iam ser diferentes. Afinal, ainda foi pior.

Sem comentários: